Muito se discute, na atualidade, sobre
a aplicação ou não dos preceitos do Código de Defesa do Consumidor (CDC) nas
questões que envolvem relações de compra e venda de produtos agrícolas entre o
produtor rural e a empresa fornecedora dos produtos.
A relação jurídica da qual o produtor
rural faz parte na Compra e Venda de Insumos Agrícolas não se trata de relação
de consumo, e sim de atividade de consumo intermediária, em razão de o produtor
rural não se enquadrar no conceito de consumidor, como destinatário final dos
insumos agrícolas, posto que os adquire e utiliza a fim de fomentar a atividade
agrícola desenvolvida, cuja produção, por sua vez, será colocada no mercado
para consumo.
Excetua-se do presente os pequenos
produtores rurais que exercem atividade para subsistência própria ou de sua
família, sendo nestes casos aplicáveis os preceitos do CDC.
Histórico da Lei 8.078/1990
Em virtude da considerável evolução das
relações de consumo nos últimos anos, caracterizado por sua massificação,
vislumbrou-se a necessidade da elaboração de legislação especial para a
proteção legal dos direitos do consumidor, o qual se tornou parte vulnerável e
hipossuficiente da relação de consumo frente ao poder do fornecedor.
A Lei tornou-se necessária, portanto,
para manter o equilíbrio entre o consumidor e o fornecedor, partes contratantes
da relação de consumo.
Relação de Consumo
A relação de consumo é caracterizada
pela existência de dois polos contratantes, pressupondo de um lado o
fornecedor, aquele que se dispõe a fornecer bens e serviços a terceiros, e, do
outro lado, o consumidor, aquele que está subordinado às condições e interesses
impostos pelo fornecedor, no atendimento de suas necessidades de consumo,
relativamente à aquisição ou utilização de produtos ou serviços.
Conceito de Consumidor
O caput do art. 2º, da Lei 8.078/1990,
define consumidor como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza
produtos ou serviço como destinatário final.
O destinatário final constitui-se
naquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, sendo necessário que
não dê destinação econômica para tal bem, esta caracterizada pela revenda do
bem, ou ainda, pela utilização deste como elemento de produção, hipótese na
qual restaria configurada uma relação de insumo, e não de consumo.
Portanto, há nítida distinção da
relação de insumo da relação de consumo, caracterizando-se aquela na qual há
inclusão do produto adquirido na cadeia produtiva, como ocorre na atividade
desenvolvida pelo produtor rural, o qual utiliza o insumo para produzir e
fomentar sua produção, a fim de comercializar com futuro adquirente, este sim
considerado consumidor.
Ou seja, a relação jurídica
estabelecida entre o produtor rural e a empresa fornecedora dos insumos
agrícolas trata-se de relação de consumo intermediária, tendo em vista que os
insumos agrícolas são utilizados como bem de produção pelo produtor rural, não
havendo destinação final dos mesmos.
Assim, não cabe outra conclusão senão a
de que não se aplicam à relação de compra e venda de insumos agrícolas entre o
produtor rural e o fornecedor os preceitos do Código de Defesa do Consumidor,
por não se tratar de relação de consumo, mas sim de relação intermediária
regida pelos diplomas legais pertinentes.
Do contrário, entender pela aplicabilidade,
considerando, neste caso, produtor rural como consumidor, negar-se-á a essência
do Código de Defesa do Consumidor como microssistema jurídico que, conforme
exposto, é de cumprir a sua função de proteger aqueles que realmente necessitam
de proteção legislativa de modo a equilibrar a relação jurídica de consumo da
qual faz parte: os vulneráveis e hipossuficientes, verdadeiros destinatários
finais do produto ou serviço adquirido.
É no entendimento acima explicitado que
a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça tem se firmado:
Conflito positivo de competência.
Medida cautelar de arresto de grãos de soja proposta no foro de eleição
contratual. Expedição de carta precatória. Conflito suscitado pelo juízo
deprecado, ao entendimento de que tal cláusula seria nula, porquanto existente
relação de consumo. Contrato firmado entre empresa de insumos e grande produtor
rural. Ausência de prejuízos à defesa pela manutenção do foro de eleição. Não
configuração de relação de consumo.
- A jurisprudência atual do STJ
reconhece a existência de relação de consumo apenas quando ocorre destinação
final do produto ou serviço, e não na hipótese em que estes são alocados na
prática de outra atividade produtiva.
- A jurisprudência do STJ entende,
ainda, que deve prevalecer o foro de eleição quando verificado o expressivo
porte financeiro ou econômico da pessoa tida por consumidora ou do contrato
celebrado entre as partes. (BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Conflito de
Competência n°. 64.524 ? Mato Grosso, Relator: Min. Nancy Andrighi. Diário de
Justiça, 09.10.2006).
Eduardo Tomio Kanaoka Okuzono